"Mete gol neles tudo." |
Em 12 de maio de 2013, às 12:30 no horário local,
Watford e Leicester começavam a disputar a segunda mão da semifinal dos
playoffs da Championship League. Aqueles que conhecem a história recente do
futebol periférico inglês devem se lembrar dessa partida e muito provavelmente
devem, assim como eu, achar aquela a maior partida da história do futebol. Os que
não a conhecem estranharão o status que essa partida ganhou na história do
futebol inglês quando olharem o ambiente em que tudo ocorreu.
Após 46 longas rodadas o Cardiff City se sagrou
campeão da Championship League (equivalente da Serie B para o futebol inglês)
enquanto o Hull City também garantiu a vaga para a primeira divisão com o
segundo lugar da competição. Disputaram os playoffs (valendo a terceira e
última vaga) as equipes do Leicester, Crystal Palace, Brighton & Hove
Albion e o Watford. Vejam só: estamos falando de uma espetacular partida da segunda
divisão inglesa, uma partida de semifinal para decidir o finalista da disputa
do terceiro lugar.
A primeira rodada da semifinal terminou com empate
de 0x0 entre Crystal Palace e Brighton & Hove Albion, enquanto o Leicester
obteve uma magra vitória de 1x0 sobre o Watford. A volta deste último foi em
Watford, no colorido estádio Vic Road. Vydra abriu o placar para o Watford aos
15 minutos e David Nugent empatou 4 minutos depois. Já no segundo tempo, Vydra
voltou a colocar o Watford na frente para que então o jogo estrasse na história.
Aos 90 minutos de jogo, pênalti marcado para o Leicester: muitas reclamações e
alguns minutos perdidos depois, estava nos pés de Anthony Knockaert a vaga para
a final dos Play-Offs. Knockaert era um jovem talentoso, o melhor jogador da
equipe. Veio do Guingamp após um bom começo de carreira na França e foi um dos
melhores jogadores daquele campeonato, tendo pedido para ser o cobrador daquele
pênalti. Queria se consagrar. No gol estava Almunia, goleiro que nunca foi um
desses que encantam a torcida ou que passam confiança, mas sempre teve atuações
regulares. Aposentado em 2014, teve boas atuações na West Ham e no Watford, mas
foi no Arsenal que viveu seus melhores momentos. Mais do que isso, após seus
anos no time, o Arsenal nunca encontrou alguém que pudesse jogar em baixo das
redes com a mesma eficácia.
E lá estavam os dois, o jovem meia francês contra o
experiente goleiro espanhol. Knockeart (que parece evitar olhar para o goleiro)
bate muito mal, a bola vai baixa, fraca e mais para o meio do que para
esquerda. Almunia cai bem e consegue defender com o pé, com a bola rebatendo e
parando muito perto do goleiro. Almunia tenta voltar para o meio, mas seu corpo
não parece responder com a velocidade necessária. Ainda assim Knockeart não
consegue tirar a bola do goleiro no rebote, batendo colocado nas suas pernas. A
zaga corta e o que acontece depois não fica muito claro, afinal a TV que
transmite o jogo busca as reações dos personagens envolvidos. Rapidamente o
Watford ataca pela direita, enquanto os jogadores do Leicester voltam
desesperados para a defesa parecendo já prever o que aconteceria. O ponta
Fernando Forestieri recebe a bola no lado direito e faz um ótimo cruzamento
para o meia Jonathan Hogg. O goleiro Kasper Schmeichel sai para cortar a
finalização rápida que esperava, porém Hogg não finaliza, mas sim ajeita a bola
para Troy Deeney, atacante que vinha de trás e que foi o responsável pelo
milagre. Sem precisar de pênaltis o Watford se garantiu na final dos Play-offs
e o Leicester deu adeus ao sonho de voltar para a Premier League. Duas semanas
depois, na grande final em Wembley, o Crystal Palace venceu o Watford e ganhou
a terceira vaga.
Na temporada seguinte a equipe do Leicester dominou.
Foi campeão com nove pontos de diferença e voltou para a primeira divisão sobre
a batuta dos atacantes Ted Nugent, Jamie Vardy e do jovem Riyad Mahrez. Na
volta à elite, a equipe do Leicester sofreu muito durante todo o campeonato,
virando o ano como último colocado no campeonato. Quando o rebaixamento parecia
certo o time renasceu: sete vitórias em nove jogos e a manutenção na primeira
divisão. A temporada marcada por altos e baixos pode ser resumida por dois
casos. James Pearson, reserva e filho do técnico da equipe, se envolveu em um
sex tape junto com outros jovens da equipe onde todos faziam comentário
racistas contra tailandeses. O caso acabou impulsionando a saída do técnico
Nigel Pearson. Já um ponto positivo da campanha foi a vitória de virada sobre o
Manchester United por 5x3 após estar perdendo de 3x1, aos 15 minutos do segundo
tempo.
Uma coisa importante em relação ao Leicester: eles
têm dinheiro. Muito. MUITO! E mais importante: eles querem gastar. E mais
importante ainda: eles não vão gastar dinheiro à toa. O dono da equipe, Vichai
Srivaddhanaprabha (que nome!), é o dono da King Power Duty Free, uma empresa
gigantesca da área de vendas. O Leicester é o nono time mais rico da liga, mas
todo o crescimento parece ser muito melhor organizado do que outros gigantes,
como Manchester United e Chelsea. Durante seu tempo na segunda divisão, o
Leicester não foi desesperado atrás de jogadores experientes que pudessem
leva-los ao topo logo. Jovens talentosos foram contratados por valores não tão
altos e puderam se desenvolver dentro da equipe com o tempo, sendo hoje
jogadores que atuam pelas suas seleções nacionais (Mahrez e Vardy são exemplos
deste projeto). A montagem do elenco é maravilhosa. Além dos jovens que se
desenvolvem, a equipe também soube ser pontual ao contratar jogadores
experientes que apareceram bem no futebol inglês e internacional e que
custassem pouco. Assim vieram jogadores como Kasper Schmeichel (filho do
lendário Peter Schmeichel, Kasper foi eleito três vezes o melhor goleiro da
segunda divisão inglesa e já tem 29 anos), Wes Morgan, Robert Huth (titular na
Copa do Mundo de 2006 pela Alemanha), Shinji Okazaki, Gökhan Inler, Marc
Albrighton e Christian Fuchs (esse que deve ser o melhor lateral do mundo na
atualidade).
O que diferencia Vichai dos outros donos de equipes
é que ele quer ganhar dinheiro com futebol, ter a possibilidade de vender seus
jogadores, ganhar títulos e disputar as grandes competições na Europa
(curiosidade: Vichai é o gerente da equipe, provando que ele realmente está interessado
no futuro dos Foxes). E o mais doido de todo esse projeto é que, mesmo sendo em
longo prazo, os resultados já estão aparecendo. A temporada 2015 esta sendo
marcante. A equipe tem dominado a liga com um futebol defensivo e veloz
coordenado pelo novo técnico Claudio Ranieri.
O italiano é considerado o grande símbolo dessa
virada, mas o grande segredo é a evolução e encaixe de alguns jogadores. Jamie
Vardy e Riyad Mahrez hoje são considerados pelo WhoScored.com segundo e
terceiro melhores jogadores do mundo (talvez isso já esteja um pouco
desatualizado no momento do post), respectivamente. Além disso, Kanté e Fuchs
estão entre os melhores jogadores do campeonato. Após várias vitórias e uma regularidade
única na competição, a equipe que virava o ano na última colocação em 2014
chegou ao final de primeiro turno em 2015 empatada com o Arsenal na liderança.
O esquema tático da equipe é extremamente rígido,
mas ainda assim muito móvel. O Leicester costuma jogar no 4-4-2. Quando ataca
joga com os dois atacantes colocados na área (Vardy e Okazaki/Ulloa) e com dois
meias (ou pontas) bem abertos. A organização fica por conta dos dois volantes
centrais e muitas vezes pelo lateral esquerdo. Defendendo, a equipe tem uma
linha muito fechada entre os zagueiro, com os dois pontas voltando sempre para
ajudar. Essa ocupação do espaço faz com que o adversário tenha muita
dificuldade para entrar na área e force finalizações de fora ou passes longos.
A equipe do Leicester é uma das que mais sofre chutes, mas consegue sofrer
poucos gols, pois sabe como evitar que as finalizações sejam perigosas. Os
foxes jogam um futebol de contra-ataque proposital, usando a mobilidade e a
velocidade de seus jogadores, mas ainda assim consegue se organizar quando
enfrenta um adversário mais fechado.
Campeão ou
não da liga inglesa, o Leicester deve garantir vaga na Champions League ou na Liga Europa da
próxima temporada. O dinheiro está lá, o treinador está lá e o os jogadores
também. Será que o Leicester consegue ser de verdade também na Europa?
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